Uma nova variante do HIV (vírus da imunodeficiência humana) está circulando em pelo menos três estados do Brasil. É o que revela um estudo da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), publicado na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, nesta sexta-feira (16).
A variante é resultado de uma mistura genética entre os subtipos B e C e foi encontrada em amostras de sangue de pessoas do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia.
A análise identificou a variante em um paciente que estava realizando tratamento em 2019 na cidade de Salvador. A sequência genética foi comparada com informações registradas em bancos de dados genéticos, que revelou a presença do material nos outros dois estados.
A variante recombinante, termo que se refere a quando dois subtipos de HIV se unem, recebeu o nome de CRF146_BC e foi diagnosticada em quatro pessoas.
Segundo Joana Paixão Monteiro-Cunha, professora de bioquímica da UFBA e uma das autoras da pesquisa, a descoberta reforça o perfil de transmissão do vírus. “Nossos estudos mostram que as amostras são descendentes de um mesmo ancestral. Apesar de aparecer apenas em casos esporádicos, o vírus recombinante se disseminou.”
Ainda de acordo com a pesquisadora, a maior parte do material genético da nova variante é do tipo C. “A variante deve ser resultado de uma pressão genética e seletiva, com maior agressividade e adaptação do subtipo C”.
O estudo afirma que, separadamente, os subtipos B e C do HIV são responsáveis por cerca de 81% das infecções no Brasil, com a variante B sendo a mais comum. As formas recombinantes de HIV são responsáveis por cerca de 23% das infecções no mundo, aponta a pesquisa.
Sobre a descoberta da CRF146_BC, Bernardino Geraldo Alves Souto, professor de medicina da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), explica que os vírus C e o B possuem diferentes características: “O subtipo B é mais transmissível entre homens e tem uma agressividade maior. O C transmite mais de mãe para filho na gravidez, demora mais para apresentar sintomas e para prejudicar o sistema imunológico”.
O pesquisador reforça que há uma diferença entre o que o gene do vírus apresenta, e os efeitos que a variante pode trazer ao paciente. “Pode ser que a interação entre eles gere sintomas diferentes do esperado”, diz.
Para Souto, novas variantes do HIV exigem cuidados. “É um vírus que continua mudando, e é necessário tomar medidas que endureçam o enfrentamento. As mutações são um aviso de que a situação não está controlada”, afirma.
Desde 1980, mais de 150 misturas entre as variantes B e C já foram descobertas no mundo. Segundo um estudo da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, hoje existem nove subtipos e 157 formas de recombinação circulantes (CRFs) do HIV-1 (do grupo M) no mundo —a categoria engloba os subtipos B e C. De acordo com Monteiro-Cunha, apenas outra variante que une os subtipos foi descoberta em 2006, no Brasil, a CRF31.
Um boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde aponta que, em 2023, ocorreram 43.403 novos casos de HIV no país, com 73,6% registrados em indivíduos do sexo masculino e 26,6% no sexo feminino. O mesmo levantamento aponta que 190 mil pessoas que sabem ser portadoras do HIV/Aids ainda não iniciaram o tratamento, o que corresponde a 19% da população já diagnosticada com a doença.
A estimativa é de que um milhão de pessoas vivem com HIV no Brasil.
Um estudo brasileiro, também de 2023, mostrou que o risco de morte em pacientes com HIV diagnosticados tardiamente chega a ser 6,17 vezes maior que a de pessoas que fizeram o diagnóstico em estágios iniciais.
Segundo Souto, da UFScar, a descoberta da nova variante aponta para a necessidade de mais testes. “Tem muita gente com HIV que não sabe ou tem medo de fazer o exame e dar positivo. Então, é importante investir na conscientização para que as pessoas façam mais testes”.
Cunha, autora da pesquisa da UFBA, por sua vez, reafirma o papel da prevenção ao HIV/Aids e de campanhas direcionadas. “Em termos de políticas públicas, é necessário investir em ações para a população em geral, ao mesmo tempo em que se desenvolve campanhas específicas para quem já vive com HIV. A pessoa que tem HIV e não se cuida contribui para o surgimento de novas variantes”.